segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A Viagem

Imagine o desânimo que bate quando você olha um bolo de fios atrás do móvel da TV ou do computador, sabendo que eventualmente terá que desembaraçar um por um. Agora imagine esse bolo ampliado pro tamanho de um palheiro - é mais ou menos com esse entusiasmo que eu acompanhei a história de A Viagem e tentei (sem muito sucesso) organizá-la mentalmente.

O filme (baseado num livro até então considerado "infilmável") é uma aventura filosófica que pretende quebrar com todas as convenções narrativas, contando 6 histórias paralelamente, passadas em épocas e gêneros totalmente diferentes. Há um drama de escravos no século 19, um filme sobre um jovem gay compondo sua obra-prima na década de 30, um thriller nos anos 70 sobre uma jornalista investigando uma usina nuclear, uma comédia nos tempos de hoje sobre um editor tentando fugir de um asilo, uma ficção-científica futurista passada em Seoul (que empresta elementos de No Mundo de 2020), e uma aventura pós-apocalíptica que sugere viagens interplanetárias.

Todas essas histórias estão conectadas de alguma forma, mas clareza não era uma das ambições dos cineastas (o filme foi dirigido a 6 mãos por Tom Tykwer de Corra Lola, Corra, Andy Wachowski e Lana Wachowski, responsáveis por Matrix - "Lana" costumava ser Larry, mas nesse meio tempo virou transexual).


Os atores encarnam diversos personagens cada um, às vezes esclarecendo as coisas, às vezes confundindo ainda mais o espectador (a maquiagem é tão elaborada que muitas vezes você não sabe se está olhando pro Tom Hanks ou pra Halle Berry). A ideia é que esses personagens representam almas que reaparecem através do tempo, mostrando uma espécie de evolução espiritual (talvez agrade aos espíritas por conta disso). Alguns são sempre maus, outros sempre bons, outros mudam com o passar das vidas... Mas se isso diz algo a respeito de ética e livre arbítrio, a mensagem não ficou clara pra mim.

Talvez lendo o livro e assistindo ao filme várias vezes seja possível identificar todas conexões entre as histórias, mas o filme não parece exigir que você faça isso - ele é mais uma meditação sobre paz e liberdade (com uma tendência suspeita pra valores místicos/coletivistas) do que um quebra-cabeça inteligente esperando pra ser montado.

Admiro a ambição dos cineastas, que tentaram fazer algo inovador e profundo (se tivesse funcionado totalmente poderia ter sido algo tão vasto quanto 2001: Uma Odisséia no Espaço). Mas até pra inovar é preciso respeitar certas leis, e A Viagem se tornou um nó confuso demais, que nem seis mãos conseguiram desembaraçar.

Cloud Atlas (Alemanha, EUA, Honk Kong, Cingapura / 2012 /  172 min / Tom Tykwer, Andy Wachowski, Lana Wachowski)

INDICAÇÃO: Quem gostou de A Origem, Southland Tales: O Fim do Mundo, As Horas, A Fonte da Vida...

NOTA: 6.0

8 comentários:

Rodrigo E. disse...

O fato de terem conseguido realizar o filme é mais impressionante que o filme em si. Eu fiquei meio frustado.
Ouvi falar que no livro é contado uma história de cada vez. Fico pensando se o filme não funcionaria melhor se tivesse seguido nessa linha.

Caio Amaral disse...

Verdade.. Difícil ver produções caras com propostas tão arriscadas e pouco convencionais..

Mas acho que teria gostado mais de ver uma história de cada vez tb.. Só que a estrutura do livro parece que não é tão simples assim.. Li em algum lugar que do meio pro fim elas são contadas de trás pra frente, de maneira que o começo e o final do livro são iguais.. algo do tipo!

Lívia Fulchignoni disse...

Olá Caio,
Gostaria de parabenizá-lo pelo excelente blog. "Perdi" hoje a manhã toda lendo suas críticas.

Li as dos filmes que já vi para ter uma nova opinião e repensar a minha.
Li as dos filmes que sem ver eu já achava que não gostaria e mudei de ideia algumas vezes.
Li as dos filmes que estão na minha lista para assistir.
Li de filmes que não sabia que existiam.
E de outros que caíram no esquecimento.

Enfim, li bastante e as horas passaram voando. Vou continuar acompanhando as postagens.

Caio Amaral disse...

Oi Lívia, fico feliz de ter feito você "perder" sua manhã, haha. Que tipo de filme você gosta? Me fale alguns dos seus favoritos, acho sempre interessante saber..

Depois se quiser curte a página no Facebook, sempre que tem postagem nova eu divulgo lá. Abs!

lcattapreta disse...

haha adorei a comparação com o bolo de fios.
eu aceitei no começo que o filme ia se organizar mais tarde, bastava ter paciência.
acho que isso aconteceu antes da metade, e no final eu estava gostando muito :D
é incrível a quantidade de gêneros dentro de um filme só.

Caio Amaral disse...

Haha, pera lá.. o filme não chega a ORGANIZAR antes da metade.. só começa a ficar mais claro que cada ator representa o mesmo "espírito", mas ainda não dá pra entender de que maneira cada história se relaciona com a outra.. acho eu.

Anônimo disse...

Estava lendo os comentários e vi vc dizendo que no livro, a história é contada de maneira que o começo e o fim do livro são iguais... Mas de certo modo, no filme também é assim não é? No começo do filme, o garoto vai até a banheira e está prestes a dar um tiro na boca, e bem no finalzinho do filme, a cena volta, ele vai até a banheira e aí sim dá o tiro. Começ a termina com as mesmas cenas. É isso ou será que entendi errado?
Ah, e gostaria de saber se vc já assistiu o filme "O Lado Bom da Vida", vi esses dias e adorei, superou minhas expectativas. Abraços.

Caio Amaral disse...

Não sei direito, mas pelo que entendi, toda a segunda metade do livro é "espelhada" em relação à primeira.. Não é apenas uma ou outra cena que se repete no finalzinho. Aliás, revi o filme ontem e ficou bem mais fácil e entender a estrutura.

Ainda não vi "O Lado Bom da Vida", mas gostei bastante do trailer. Abraço!