quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O que nos atrai ao Idealismo?

(Capítulo 3 do livro Idealismo: Os Princípios Esquecidos do Cinema Americano)

Ao ver minha sobrinha de dois anos fascinada com um desenho na TV, tive uma reflexão sobre o que nos atrai à arte Idealista num nível primitivo, inconsciente. Num primeiro instante não poderia ser uma necessidade muito sofisticada a respeito de valores, objetivos de vida, senão uma criança tão pequena não teria uma atração tão natural por um desenho quanto um adulto tem por um filme. E também não poderia ser um desejo de admirar as virtudes do autor, apreciar qualidades estéticas. Isso vem depois, quando somos maiores e entendemos que há alguém por trás da obra — a criança nem sabe que o desenho tem um autor.

Num nível básico, a arte Idealista nos atrai porque ela nos oferece um escape para um universo mais compreensível, benevolente — um universo melhor adaptado para nossas mentes e nossa felicidade. Não digo “escape” no sentido de covardia, autoenganação. Mas no mesmo sentido de que uma casa é um “escape” do frio, do desconforto, de predadores e ameaças externas — algo que nos dá uma estrutura favorável à vida, que não é automaticamente ou perfeitamente fornecida pela natureza.

A realidade em si é infinitamente complexa (muito mais complexa do que a mente humana é capaz de apreender num único momento), o que resulta numa eterna busca por ordem, compreensão, simplicidade. O universo é também indiferente à vida (não necessariamente hostil, mas também nem sempre favorável, muito menos preocupado com ela ou interessado nela). A vida não tem um sentido intrínseco a não ser aquele que nós mesmos lhe damos. Na vida, nós somos ativos, e o universo externo parece apenas passivo, indiferente. A arte tem a capacidade de inverter isso, e fazer o universo externo parecer se tornar ativo e atender nossas necessidades. A arte nos faz ter um senso de que a vida tem um significado intrínseco, em que sentimos por um momento que somos participantes/jogadores dentro de um enredo maior. Por exemplo: se batemos o carro na vida real, o evento nos parece arbitrário, desnecessário, há um silêncio frio e incômodo acompanhando o impacto. Só no futuro, através de reflexão, é que talvez consigamos dar algum sentido ao evento e entender o que o causou (como diz Robert McKee em seu livro Story). Mas em um filme, se um personagem bate o carro, o evento é automaticamente acompanhado de uma emoção, de um sentido. Emoções e significados já estão presentes ali, no instante em que os eventos acontecem, dando um valor às coisas e um senso de estrutura que na realidade não haveria ou que demoraríamos para ver.

Uma criança pequena geralmente não se interessa por filmes. Por quê? Porque ela ainda não consegue absorver os valores por trás da história nem entender as complexidades do mundo adulto. Ela não entende princípios abstratos, não sabe como funciona um relacionamento amoroso, para que serve uma carreira. Ela ainda está num nível primário e concreto de consciência. Só entende de coisas e objetos simples — casa, comida, sol, carro, mamãe, cachorro etc. E num desenho animado, essas coisas e objetos são representados de maneira simplificada e benevolente. Não como eles realmente são na realidade: objetos com tonalidades e texturas complexas, interagindo com diversas luzes, reflexos, misturados com outros objetos que as crianças não sabem para que servem, animais que se comportam de maneira irracional etc. — mas como formas simples, quase minimalistas, com cores vivas, puras e agradáveis aos olhos: um universo simplificado (compreensível) e benevolente, de acordo com o tipo de capacidade cognitiva da criança.

Adultos já conseguem administrar um nível muito maior de complexidade do que uma criança. Ainda assim, a arte nos oferece essa visão de um universo simplificado e benevolente que nos dá prazer e nos ajuda a compreender o mundo e vê-lo como um lugar favorável à vida. A arte faz isso no nível concreto/visual/sensorial: imagens são fotografadas de maneira a criar certa ordem espacial, a direção de arte e o tratamento da imagem reduzem a paleta de cores a algo mais harmonioso e belo, a música transforma ruídos aleatórios em vibrações sonoras ordenadas, prazerosas ao ouvido, em harmonia com a narrativa. Mas a arte faz isso também no nível mais conceitual: seres humanos em filmes têm motivações claras e compreensíveis, representam arquétipos consistentes, possuem características sólidas que definem suas personalidades, a história tem uma estrutura planejada, começo, meio e fim, uma mensagem a ser extraída — algo muito diferente da complexidade e do aparente caos da nossa experiência cotidiana, em que as pessoas se comportam muitas vezes de maneira contraditória, os sentidos nem sempre são claros, diversas narrativas se entrelaçam e nem sempre são concluídas. Não que a vida não faça sentido. As pessoas agem sim com base em motivações, têm sim certas personalidades, os acontecimentos que vemos têm causas e consequências — a questão é que nem sempre é fácil enxergar isso no dia a dia. A arte tem esse poder de tornar o invisível visível, o abstrato em algo concreto e tangível.

Naturalismo e Experimentalismo (que irei discutir mais pra frente) são formas de arte que se rebelam contra essa necessidade básica da mente humana. São artes que querem mostrar o universo de maneira crua, como um lugar complexo, caótico, indiferente, negativo, ignorando ou às vezes até zombando da tentativa humana de compreender a realidade, de buscar beleza e ordem nas coisas. Contemplar o universo dessa forma caótica, sem filtro, não é uma necessidade humana primária. De certa forma, o Idealismo pode ser visto como a forma de arte mais essencial, mais pura e necessária à consciência humana, enquanto essas outras formas de arte são secundárias, não existiriam de forma independente, e existem apenas como uma reação contrária à arte Idealista, um ataque muitas vezes baseado em cinismo e em desilusões pessoais (o que, pensando bem, também é uma tentativa de dar ordem às coisas, mas não o tipo de ordem que irá gerar confiança para o espectador evoluir na vida e atingir seus objetivos, e sim uma “ordem” que servirá de racionalização para seus problemas e limitações, uma desculpa para ficar parado).

Como Rand já observou, embora o Idealismo seja muitas vezes acusado de ser um “escape”, na verdade é ele que melhor equipa o ser humano para viver, inspirando o tipo de virtudes de que precisamos para enfrentar nossos problemas e atingirmos nossos objetivos. Se a felicidade é possível, então é o Naturalismo (e outras formas de Não Idealismo) que representa um “escape” — uma permissão para abandonarmos nossos valores e fugirmos dos desafios ligados à busca de uma vida melhor.


domingo, 28 de agosto de 2016

Pets: A Vida Secreta dos Bichos

NOTAS DA SESSÃO:

- Lindo o voo inicial por Nova York, o visual estilizado da cidade, grandioso, etc. A premissa é divertida (os animais de estimação terem uma vida secreta), embora se pareça muito com Toy Story. E a partir do momento em que os 2 cães são raptados, o filme fica igual Procurando Nemo. É tudo é extremamente familiar: essa apresentação do universo dos animais é parecida com a de todos os filmes da Pixar - as piadinhas comportamentais, a personalidade dos bichos (tem sempre o animal pequeno e fofinho que se revela violento, etc). Não acho os protagonistas particularmente gostáveis, mas o filme é feito com mais inteligência e capricho que a média.

- Interessantes a ideia dos vilões serem animais descartados que agora se tornaram "revolucionários anti-humanos". Acho sempre perspicaz quando os vilões são motivados por um senso de rejeição e inferioridade (em vez de serem maus por natureza), pois na minha visão é daí que realmente vem muita da maldade do mundo.

- A trama é bem feita, com diversos conflitos simultâneos, e a ação é plausível. Temos os 2 cães tentando voltar pra casa e tendo que escapar dos bandidos, há também o conflito entre Max e Duke que não se gostam a princípio mas vão passando a confiar um no outro, paralelamente temos os amigos deles na missão de encontrá-los (e os conflitos particulares dessa história, por exemplo os animais tendo que confiar no falcão que é um predador perigoso, etc).

- O que me impede de gostar mais do filme, além do fato dele não ser muito original, é o fato dos valores da história serem chatos, coletivistas, quererem "educar" as crianças. A mensagem é: devemos aprender a conviver com as diferenças, temos que ser leais aos nossos amigos, etc. Há um pouco também daquilo que falei no vídeo sobre motivação de personagem... Do filme ser apenas sobre os personagens tentando corrigir problemas pra poderem voltar pra vida normal que tinham antes. Não há a expectativa de algo realmente interessante que possa acontecer, que vá emocionar a plateia, etc. A amplitude emocional do filme é pequena. Ele é esperto, divertido, caprichado, mas nunca brilhante, inesquecível, etc.

- O clipe no final é bonito: todos se reencontrando com os donos, etc. Divertido também o destino do coelhinho-vilão.

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CONCLUSÃO: Animação divertida, inofensiva, melhor até que alguns dos últimos trabalhos da Pixar, mas que infelizmente não ousa muito em termos de história, conteúdo, humor, e acaba se parecendo com vários outros filmes.

The Secret Life of Pets / Japão, EUA / 2016 / Yarrow Cheney, Chris Renaud

FILMES PARECIDOS: Procurando Dory (2016) / Ratatouille (2007) / Procurando Nemo (2003) / Toy Story (1995)

NOTA: 6.8

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Café Society

NOTAS DA SESSÃO:

- Pra fãs de cinema, é um deleite viajar pra essa era de ouro de Hollywood (o filme tem um monte de referências históricas, etc). Lembra o que os Irmãos Coen fizeram recentemente em Ave, César! (um retrato meio cínico mas ao mesmo tempo saudosista).

- Divertida a cena do Jesse Eisenberg se encontrando com a prostituta insegura (Woody Allen sempre tem umas prostitutas incríveis em seus filmes).

- Deslumbrante a Kristen Stewart! Às vezes o Woody Allen parece fazer filmes só pra poder colocar garotas lindas na tela fazendo personagens sofisticados, inteligentes.

- A fotografia do Vittorio Storaro atrapalha um pouco (Storaro é um dos fotógrafos mais aclamados da história do cinema, ganhou Oscars por Apocalypse Now, Reds, O Último Imperador). As imagens são belíssimas, mas eu tenho uma teoria de que comédias não podem ter fotografias muito chamativas. A cada imagem que aparece, você quer parar um momento pra contemplar o enquadramento, a luz, etc... Mas esse estado de "contemplação ao belo" é incompatível com o estado de quem quer rir das atitudes dos personagens e prestar atenção nos diálogos.

- Divertida a situação do triângulo amoroso (Bobby contando pro tio que quer se casar com a garota, sem saber que ele também está saindo com ela, etc). O Jesse Einsberg está carismático e torcemos por ele na história. Não é das tramas mais memoráveis do Woody Allen, mas o filme é agradável de assistir porque os diálogos são inteligentes, divertidos, a história discute questões emocionais interessantes pra todos, Woody é um ótimo observador do comportamento humano, etc.

- Uau. A cena em que acaba a força e a câmera ajusta a exposição pra luz da vela é uma das coisas mais ousadas que já vi num filme em termos de fotografia.

- Muito bom o Carell no telefone disfarçando quando aparece a esposa: "50 Rosas... 50 por cento...", rssss. São pequenos toques assim que enriquecem o filme.

- SPOILER: Uau, a Blake Lively consegue estar tão deslumbrante quanto a Kristen Stewart. Fazia tempo que não via mulheres tão bem fotografadas num filme. E a personagem dela também é gostável. Não fica a sensação de que o Jesse achou uma substituta inferior pra ex-namorada. Nem estou torcendo pra ele voltar com a Kristen no fim do filme, pois ela pareceu meio interesseira ao decidir ficar com o tio (e em nenhum momento pareceu muito apaixonada pelo Jesse também).

- SPOILER: A história não é das mais bem desenhadas ou integradas. O fato do filme se passar em Hollywood não tem muita relevância pra história central (isso podia estar acontecendo em outro lugar, com pessoas de outras profissões). A sub-trama do irmão mafioso também poderia ser removida do filme que não faria grande diferença. Falta um tema que unifique melhor o filme. Não fica muito claro o propósito da história. Jesse e Kristen gostavam um do outro, mas não ficaram juntos por questões circunstanciais. Depois de vários anos se reencontram, cada um já casado, percebem que ainda sentem algo um pelo outro, mas não ficam juntos de novo por questões circunstanciais. É a mesma ideia repetida 2 vezes, faltou uma evolução temática. E não é nenhuma tragédia ou grande afirmação sobre a vida. A gente apenas sai do filme com uma sensação de que as pessoas costumam estar um pouco insatisfeitas em seus relacionamentos, e que sentimentos são meio complexos. Isso somado ao final aberto dá um toque de experimentalismo pro filme que me faz sair da sala ligeiramente insatisfeito, como se a história ainda precisasse de mais um ato pra fazer sentido.

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CONCLUSÃO: Filme glamouroso e rico em diálogos, elenco, humor, visual, mas com uma história que parece não se desenvolver completamente.

Café Society / EUA / 2016 / Woody Allen

FILMES PARECIDOS: Ave, César! / Meia-Noite em Paris / Vicky Cristina Barcelona

NOTA: 7.5

domingo, 21 de agosto de 2016

Ben-Hur

NOTAS DA SESSÃO:

- Antes de mais nada, acho um erro fazer um remake de um dos melhores filmes de todos os tempos, vencedor de 11 Oscars, uma produção épica que não tem como ser superada por algo feito hoje em dia nem em termos de produção / visual.. E as alterações que fizeram na história pioram a narrativa que era impecável (pegando como referência o Ben-Hur de 1959). O antagonista agora virou irmão do Ben-Hur, e é mostrado como alguém gostável. A rivalidade entre os 2 ficou mais fraca, o que tira parte da força da narrativa, que basicamente era uma história de vingança. O Messala no outro filme se tornava inegavelmente um vilão. Aqui, você já entende melhor o lado dele, e sabe que ele no fundo é uma boa pessoa.

- De qualquer forma, ainda é uma história sólida, envolvente, com conflitos fortes, bons personagens, etc. Mas isso tudo é mérito do material original. Não há talento novo na adaptação. A produção inclusive não é de muito bom gosto (a fotografia é feia, os efeitos digitais não são dos melhores, o Morgan Freeman tá estranho com esse cabelo rastafári, etc).

- No de 59, o Ben-Hur era acusado por causa de um acidente banal, o que provava a maldade do Messala; aqui, ele já é preso por motivos bem mais compreensíveis. Você fica com raiva do garoto que atirou a flecha, e acaba entendendo por que o Messala prende o Ben-Hur. Ele é vítima de uma grande injustiça, mas não fica parecendo que o Messala está agindo por maldade.

- A sequência da batalha no navio continua incrível e tensa (embora a câmera tremida aqui seja irritante).

- Legal como o Ben-Hur consegue se reerguer do zero (a maneira como ele negocia com o Morgan Freeman e começa a trabalhar pra ele, etc). É um personagem admirável e o Jack Huston está bem no papel (embora não tenha a dimensão de um Charlton Heston).

- A ideia da corrida de bigas é ótima em termos de narrativa, progressão de história, mas aqui é enfraquecida pelo fato da rivalidade entre Ben-Hur e Messala não ter sido tão bem construída. Há um senso também de que o filme chegou muito rápido nesse clímax... de que faltou desenvolvimento... o Ben-Hur original tinha umas 4 horas; é o tipo de história que é tão grandiosa que pede um filme com mais de 2 horas. A corrida visualmente também é bem inferior à de 59, que não parecia ter tantos efeitos, os atores pareciam estar realmente ali correndo perigo (sem falar nessa maldita câmera tremida o tempo todo). E cadê as lâminas na roda do Messala que era uma das coisas mais marcantes na disputa?

- A participação de Jesus parece ter sido aumentada aqui só pra agradar o público cristão. No de 59 eles nem mostravam o rosto de Jesus. Aqui, ele praticamente rouba a cena do protagonista.

- SPOILER: Em vez de uma história de vingança, eles tentaram transformar Ben-Hur numa história de perdão... Só que é frustrante depois de tudo isso a história acabar com Ben-Hur e Messala cavalgando felizes juntos, amiguinhos. Tudo o que houve antes fica parecendo uma tolice.

- Essa sequência de créditos é de um mau gosto terrível (os letreiros correndo como bigas).

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CONCLUSÃO: Remake desnecessário e bem inferior ao clássico tanto em termos de roteiro quanto em termos de produção, mas se você nunca viu Ben-Hur (1959), a história ainda é boa o bastante pra gerar um bom entretenimento (mas por favor, veja o clássico primeiro!).

Ben-Hur / EUA / 2016 / Timur Bekmambetov

FILMES PARECIDOS: Êxodo: Deuses e Reis (2014) / Noé (2014) / Pompeia (2014)

NOTA: 6.0

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Quando as Luzes Se Apagam

NOTAS DA SESSÃO:

- A sequência inicial é boa em termos de sustos, etc. Embora eu ache sempre meio frustrante ver o monstro logo na primeira cena. Mas a sacada do bicho só aparecer no escuro é interessante, dependendo de como for desenvolvida.

- O casal é simpático e a ceninha de apresentação deles é legal (o cara querendo compromisso sério e a Rebecca se esquivando, etc).

- É meio jogo sujo o monstro ter o poder de apagar as lâmpadas. Você não sabe mais que regras os personagens podem obedecer pra sobreviverem.

- Por que o filho não fala pra mãe que viu o monstro atrás dela? Ou pra irmã? Esse comportamento não é natural. A Rebecca também já viu o monstro? E nunca falou nada? A relação da família é muito artificial e mal construída. Eles não parecem ter a menor intimidade.

- Não convence a ideia de que a Rebecca iria levar o irmão pra morar com ela. Como ela mora sozinha com essa idade? Com o que ela trabalha? E a mãe... Se ela é louca e não tem marido, como ela vive tão bem, criou uma família normal, está bem cuidada, em forma? Nada faz sentido nesse universo do filme.

- Esse clichê do personagem achar um desenho de criança com com algo "sinistro" no meio deveria ser proibido no cinema.

- Esses personagens são horríveis!! A Rebecca vira casualmente pro namorado e diz: "preciso descobrir sobre a Diana, a vadia é real.". Hein? É assim que ela revela pro namorado que existe um monstro sobrenatural tentando matá-la? Não há 1 pingo de realismo no comportamento dessas pessoas. Não dá pra embarcar na história.

- Como a Rebecca achou tão fácil esses arquivos antigos do hospital psiquiátrico? Várias fotos? Fitas de décadas atrás (e um toca-fitas ainda funcionando)? E essa voz ridícula da Diana, ela já era um monstro mesmo quando estava viva? Outro clichê que eu odeio é quando o personagem descobre um fantasma e de repente se torna um detetive, começa logo a investigar a vida do fantasma, ir atrás de pistas, sem nem ficar chocado com o fato de que existem fantasmas!

- Se o monstro só aparece no escuro, é muito forçado os personagens estarem sempre em lugares tão escuros. Até durante o dia a casa é um breu.

- O monstro pode fechar portas? Interagir com o mundo físico? Ainda não entendi por que ele some na presença de luz, em vez de simplesmente ser ferido por ela como um vampiro.

- Os diálogos estão entre os piores que já vi - o garotinho falando coisas filosóficas do tipo "a coisa mais forte que se pode fazer é enfrentar os seus medos". Ou então quando os personagens entram em papos psicológicos expositivos sem nenhum contexto, só pra mostrar que o filme tem "profundidade".

- Então a mãe é amiga do monstro? Que ridículo. Todo mundo sabe que o monstro é real, e ainda assim a Rebecca continua insistindo que ele não existe, dizendo que a Diana morreu (como se ainda não fosse óbvio que ela voltou de alguma forma).

- Que cena é essa que a Rebecca bate no quarto da mãe pra avisar que eles irão dormir lá na casa? Por que ela estava trancada no quarto e não com os filhos numa situação dessas? E esse bilhete "I Need Help" que ela dá pra filha, pra que serve? Por que ela não faz algo na hora? Estou cada vez mais incrédulo com a insanidade dessa história.

- Ridículo eles acharem que lanternas e velas os protegerão, quando já ficou claro que o monstro não só pode apagar as luzes, como também pode pegá-los no claro! Tanto que o menino foi arrastado pra baixo da cama no quarto com todas as luzes acesas. Pior ainda são as estratégias do filme pra garantir que as luzes estarão sempre apagando com frequência: a heroína tem uma lanterna que só funciona quando você dá corda! Nunca vi isso em toda minha vida.

- O monstro não é amigo de infância da mãe? A relação é muito mal estabelecida. Na cena em que está só mãe e o monstro, elas deviam estar se comportando naturalmente, mas não, a Diana continua agindo como um monstro misterioso, tenta matar a mãe, etc...

-  Agora o menino pode ferir o monstro usando luz?!?!?!

- Um dos diálogos mais ridículos que já ouvi. Martin pra irmã: "Nós vamos morrer?". Rebecca: "Não, nós somos lutadores!".

- SPOILER: Ridículo o final, a mãe se suicidar pra matar o monstro. Esse conceito (de que o monstro era uma materialização de coisas na mente da mãe) foi tão mal desenvolvido no filme que no fim a personagem tem que explicar pra plateia verbalmente: "Você não existe sem mim!", se não as pessoas sairiam da sala pensando que podia ser um fantasma comum. O diretor parece ter se encantado com o conceito ("o monstro simboliza a depressão") e não se importou que tudo soaria artificial na história, desde que o conceito se sustentasse.

- E essa trilha sonora genérica que é uma cópia da de O Sexto Sentido? (OUÇA A COMPARAÇÃO).

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CONCLUSÃO: Visualmente legal e com uma premissa de monstro interessante, mas os personagens e o desenvolvimento da história estão entre os mais horríveis que já vi.

Lights Out / EUA / 2016 / David F. Sandberg

FILMES PARECIDOS: O Espelho (2013) / Mama (2013) / Os Escolhidos (2013) / Mistério da Rua 7 (2010)

NOTA: 3.0

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Um Espião e Meio

NOTAS DA SESSÃO:

- Impressionante esse efeito especial do Dwayne Johnson jovem (e gordo) e do Kevin Hart também. A premissa é divertida, a inversão de papéis que ocorre entre o cara popular e o loser, etc.

- A história é contada de maneira honesta, mas o humor simplesmente não é dos melhores (e em comédias, as risadas são ainda mais importantes que o enredo). Um dos problemas é a química entre os 2 protagonistas. Quando o Dwayne está fazendo o tipo herói destemido e o Kevin Hart sendo o parceiro medroso, o humor flui mais naturalmente... Mas o filme tenta combinar esse tipo de relação com a ideia do Kevin Hart ser o cara seguro e o Dwayne ser o eterno loser do colégio. Essa contradição mina parte da graça das cenas. Não faz sentido o Dwayne ainda agir como loser sendo que ele passou os últimos 20 anos se transformando num cara durão (e conseguindo).

- Outro problema é a mistura de estilos de humor. Às vezes o filme quer ter um humor mais realista, que surge da personalidade dos protagonistas, mas em outros momentos, ele tenta ser uma comédia escrachada onde coisas absurdas acontecem. Por exemplo: quando a agente da CIA dá choques no cara do escritório, ou então quando o Dwayne se disfarça do terapeuta do casal. A partir disso, não dá mais pro filme fingir que a trama policial tem qualquer relevância. É tudo uma desculpa qualquer pra mostrar sketches cômicos (que não têm tanta graça assim por causa da dinâmica entre os atores).

- Não há um desenvolvimento interessante para os personagens. O Kevin Hart começa frustrado com seu lado profissional, e o Dwayne começa frustrado com seu problema de autoestima. A trama policial na qual eles se envolvem não faz muito pra avançar esse aspecto da história (além de ser cheia de clichês e confusa de acompanhar). São 2 progressões desconectadas.

- Todo o clímax no estacionamento e o confronto com o vilão na rua são péssimos. A história está chegando ao final e parece que mal começou (afinal ela não desenvolveu direito o verdadeiro assunto do filme que eram as questões pessoais de Hart e Johnson). Isso ficou pra depois do clímax, num desfecho apressado.

- SPOILER: No fim o Kevin Hart se "transformou" e passou a valorizar o amor da esposa. Por que? Ele não valorizava a esposa antes? Isso nunca foi o conflito do personagem! E sim a questão profissional. A ideia dele entrar pra CIA parece vir do nada. Não sentimos que ele contribuiu tanto assim na missão. E de onde o Dwayne Johnson tirou coragem pra bater no bully no final? Há poucos dias ele estava morrendo de medo do cara (o que não fazia muito sentido). O que mudou desde então pra ele poder fazer esse discurso anti-bullying, vencer todos os seus medos, etc? Esses arcos não têm a menor consistência. São transformações vazias de personagem enfiados na história no final pra dar um senso de que o filme já pode acabar (e dar um tempero politicamente correto pra produção).

- Os "erros" de gravação nos créditos são armados e não têm muita graça.

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CONCLUSÃO: Comédia policial bem intencionada mas fraca tanto no aspecto "comédia" quanto no aspecto "policial".

Central Intelligence / EUA / 2016 / Rawson Marshall Thurber

FILMES PARECIDOS: A Espiã que Sabia de Menos / As Bem-Armadas / As Panteras (2000)

NOTA: 4.5

Águas Rasas

NOTAS DA SESSÃO:

- Um pouco anticlimático o tubarão ser mostrado logo na primeira cena. É o oposto do princípio que fez de Tubarão (1975) um bom suspense.

- O ambiente do filme é agradável. Blake Lively é bonita, simpática, o filme se passa numa locação incrível, as imagens dela chegando na praia e entrando no mar são lindas, etc.

- Um pouco forçado ela ir pra um lugar tão isolado sozinha (deixar pra combinar com a amiga por mensagem de texto já do meio do caminho), e ficar lá sem ter carona pra voltar depois.

- Há um bom momento de suspense quando ela fica sozinha no mar, os outros surfistas vão embora, e sabemos que o tubarão irá aparecer.

- Ela subindo na baleia morta após o primeiro ataque é bem inusitado.

- Detalhes que tornam o filme falso: a Blake em cima da baleia narrando pra plateia o "plano" do tubarão: "Onde você vai me levar?", quando ele começa a empurrar a baleia.

- Quando ela sai de cima da baleia e vai pra pedra há outro momento de suspense, mas daí o filme já começa a ficar repetitivo. Não sei como ele vai fazer pra se manter interessante até o final com uma situação tão limitada, onde só há 1 personagem e não há muito o que ela possa fazer. Pelo menos há a expectativa dos 2 surfistas voltarem, já que vimos no prólogo o que acontecerá depois.

- Improvável ela costurar o machucado com o brinco. Depois comer o siri, vomitar... O filme tá começando a virar uma coisa violenta e desagradável tipo 127 Horas. Usando isso como recurso pra "entreter" a plateia.

- SPOILER: Outra cena falsa: a ideia do bêbado na praia não oferecer ajuda, ainda roubar as coisas dela, depois entrar na água pra roubar a prancha, etc.

- Essa sub-trama da gaivota também é boba. Nem vi direito como ela foi machucada e como chegou até a pedra. O filme fica tentando contornar a monotonia da premissa de diversas formas, mas não funciona pois as ideias são artificiais.

- SPOILER: Mais cenas falsas: os 2 surfistas voltarem, não ouvirem ela avisar sobre o tubarão e serem ambos comidos. Pra que o filme criou tanta expectativa em cima deles 2 se eles seriam mortos tão rapidamente, sem ajudar em nada a protagonista?

- De um segundo pro outro ela surge com um plano que nem vimos ela bolar: ela já calculou que o tubarão leva 32 segundos pra nadar da baleia até a pedra, e resolve entrar na água pra pegar a GoPro do surfista (se ela entrar na água, o tubarão não vai começar a nadar mais rápido pra comê-la, invalidando esse cálculo?!). A ideia dela arriscar a vida só pra poder gravar uma mensagem de vídeo com a câmera é um absurdo. Como ela fará a câmera chegar até a areia depois? Ela não está vivendo numa ilha deserta tipo Náufrago onde uma ação do tipo poderia fazer algum sentido.

- Essa história de fundo da mãe que morreu é uma tentativa ruim de dar profundidade psicológica ao filme. A ideia de que a mãe era uma "lutadora" e por isso agora ela irá "lutar" contra o tubarão pra honrar a mãe. Era melhor não ter nada disso e ser um filme de ação minimalista tipo Encurralado.

- Ela sai da baleia, vai pra cima da pedra, depois sai da pedra, vai pra cima da boia... O roteiro tem variações muito monótonas. Ela não está chegando cada vez mais perto de seu objetivo. Só está mudando de lugar.

- Ela usar o cardume de águas-vivas pra escapar do tubarão também é forçado. Tudo no filme soa "forçado" pois além da lógica ser problemática, o tom realista e sério do filme não combina com certos exageros que filmes de escapismo idealista permitem.

- SPOILER: Idealismo Corrompido. A maneira como ela coloca fogo na água e depois mata o tubarão é ridícula. O prazer do filme parece ser o de tornar o heroísmo da protagonista forçado. Como se estivesse zombando desse gênero de filme, mas ao mesmo tempo tentando se levar a sério, sem querer se tornar um besteirol óbvio como Sharknado.

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CONCLUSÃO: Assistível, mas tolo demais pra ser bem sucedido como filme de ação, e sério demais pra ser bem sucedido como paródia.

The Shallows / EUA / 2016 / Jaume Collet-Serra

FILMES PARECIDOS: Sharknado / Piranha (2010) / Enterrado Vivo / Mar Aberto

NOTA: 4.5

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Script Doctor

O que é?

Script Doctors são roteiristas ou especialistas em roteiro que são contratados para reescrever ou polir roteiros existentes para produções de cinema, TV ou teatro. Script Doctors, Consultores de Roteiro ou Analistas de Roteiro oferecem serviços ligeiramente diferentes. Normalmente o Script Doctor é aquele que é chamado pra de fato reescrever um roteiro com problemas, ou reescrever partes dele. Minha proposta aqui não é essa, e sim a de fazer uma consultoria / análise de roteiro - avaliar o roteiro como um todo, apontar problemas de estrutura, narrativa ou conteúdo que possam eventualmente impedir o roteirista de atingir seu objetivo. Posso até dar ideias, sugerir caminhos, mas deixando a reescrita em si e as decisões finais para o próprio autor. Script Doctors normalmente não levam crédito por seus trabalhos por questões comerciais e artísticas, mas nem por isso são menos importantes e procurados no mercado. Nos EUA, pessoas como Robert Towne e Carrie Fisher (a atriz de Star Wars) tiveram carreiras lucrativas como Script Doctors, e muitos dos filmes mais famosos do cinema foram "consertados" ou melhorados em processos de script doctoring, como Bonnie e Clyde, O Poderoso Chefão, A Lista de Schindler, Mudança de Hábito, O Ultimato Bourne, etc.

Qual a importância?

O Script Doctor é o primeiro crítico de um filme, oferecendo um feedback técnico e imparcial para o autor ainda em tempo de mudanças serem feitas. O roteirista iniciante muitas vezes se apega emocionalmente ao seu trabalho e teme qualquer tipo de análise que possa abalar a fé que ele tem em seu projeto. Assim, ele mostra seu roteiro apenas para pessoas próximas que não são grandes conhecedoras de cinema, e que também não darão uma opinião 100% honesta por considerações pessoais. Ele só irá descobrir que seu roteiro tem problemas quando já for tarde demais, através da rejeição de produtores ou de reações inesperadas do público.

Minha escola:

É importante que o roteirista escolha o script doctor certo para o seu trabalho. Nenhum filme irá agradar a todos, pois as pessoas têm valores e sensos estéticos diferentes. O roteiro tem que funcionar para espectadores que entendam e gostem do tipo de cinema que o roteirista pretende criar, e que estarão comparando o roteiro com os mesmos filmes que o roteirista tem como referência. Embora eu esteja habituado com todo tipo de cinema, minhas opiniões serão mais úteis para aqueles que desejam produzir filmes dentro de uma estrutura narrativa clássica. Eu aprendi sobre dramaturgia com "gurus" de roteiro como Syd Field, Robert McKee, cineastas como Alfred Hitchcock, e também com a filosofia estética de Ayn Rand. Em geral, meus critérios estão em harmonia com o cinema tradicional de Hollywood, com cineastas como Steven Spielberg, James Cameron, Billy Wilder, David Lean, Alfred Hitchcock, produções da Disney — mas não se aplicam muito ao cinema naturalista, político ou experimental predominante na Europa e fora dos EUA (que de qualquer forma não costuma exigir script doctoring).

Minha bagagem:

Sou cinéfilo desde criança, filho de cineasta, estudei cinema em Los Angeles, fiz diversos cursos de roteiro, direção, fotografia, participei da produção de longa-metragens, curtas, comerciais, videoclipes, escrevo críticas de cinema há mais de 15 anos, trabalhei anos em locadora e já assisti a mais de 5.000 longas. Minhas críticas e textos teóricos disponíveis aqui do blog dão uma noção bem clara da minha visão e dos critérios que uso para avaliar filmes.




Contato:
Caio Amaral
caiorodriguesamaral@gmail.com
São Paulo / Brasil / SP

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Esquadrão Suicida

Às vezes eu vejo uns filmes realmente ruins, mas na hora de dar a nota acabo não dando 0 por algum motivo.  Agora eu entendi - é porque mesmo sabendo que não gostei de absolutamente nada no filme, ainda fica uma vaga sensação de que as coisas poderiam piorar. Mesmos filmes totalmente niilistas como os últimos do Godard (que eu costumo dar 0) eu passo a respeitar um pouco mais depois de ver algo como Esquadrão Suicida. Ali pelo menos há a intenção consciente de destruir o conceito de narrativa, de negar a forma clássica. Em nenhum momento Godard pensou estar fazendo um entretenimento para o grande público, então sua "insanidade" ainda é uma insanidade bastante lúcida, e o filme é bem sucedido dentro de sua proposta.

Eu não vou perder tempo aqui tentando analisar o filme, dizendo que os personagens são mal apresentados, que o plano da Viola Davis não faz o menor sentido, que o filme tem a vilã mais ridícula de todos os tempos, que ele exalta anti-heróis, etc. Isso seria partir do princípio de que isto é um filme, e que com alguns ajustes ele poderia ter sido bom. Mas não. Isto não é um filme. É apenas uma série de imagens que, vistas por alguns segundos por um telespectador mudando de canal, dariam a impressão de fazer parte de um filme. Mas se ele parar e acompanhar as imagens por alguns minutos, ele verá que não há nada conectando uma coisa à outra que possa ser chamado de "filme".

Pegue as cenas com a Margot Robbie, por exemplo. No trailer, há uma cena em que ela quebra uma vidraça e rouba uma bolsa, e quando questionada por um amigo, ela responde: "Nós somos vilões, é isso que fazemos". Quando você vê isso no trailer você pensa: divertido, quero conhecer essa personagem melhor e ver essa cena inteira desde o começo. Mas quando você vai ver o filme, não existe uma personagem pra ser conhecida, além de frases como essa. E não há uma cena além desse trecho colocado no trailer. É apenas isso. Ela aparece do nada, faz algo, solta uma frase de efeito. E todos os outros "personagens" são assim: figuras vazias que exibem certo estilo e certa atitude.

Imagine alguém que nunca tenha visto um filme, lido um livro, assistido a uma peça ou sido exposto a qualquer tipo de arte temporal. E que tudo que essa pessoa tenha visto na vida tenham sido trailers. Trailers de filmes ruins como A Reconquista ou Batman & Robin. E que de repente essa pessoa conseguisse 175 milhões pra fazer o seu próprio filme, baseada em suas referências. Imagino que o resultado seria algo como Esquadrão Suicida.

Talvez não seja impossível que o diretor e roteirista David Ayer nunca tenha visto um filme. Ele pode ter se sentado em frente a telas de cinema centenas de vezes, mas o que estava acontecendo em seu cérebro enquanto os filmes passavam era muito diferente do que acontece no cérebro da maioria das pessoas. Enquanto nós tentamos entender o universo do filme, os desejos dos personagens, a maneira como eles agem pra conquistar seus objetivos, relacionar a história com nossas vidas pessoais, entender a mensagem que o filme quer passar, etc, Ayer estava apenas prestando atenção na textura das imagens, nos trejeitos dos atores, na maneira como eles gesticulam e se vestem. E na hora de fazer seu filme, esse era o único conhecimento que ele tinha pra aplicar.

Eu me sinto até mal de criticar alguém como Ayer, pois desconfio seriamente que ele tenha algum tipo de problema psicológico - e eu me sentiria mal de zombar de alguém por causa de uma deficiência. Mas o que me deixa indignado não é o fato de existir alguém sem noção que tenha feito um filme ruim. E sim o fato dessa pessoa ter tido a oportunidade de comandar uma mega-produção em Hollywood com alguns dos atores mais cobiçados da atualidade. Será que ninguém percebeu que o roteiro era péssimo? Os produtores? Os executivos da Warner, da DC Comics? A Viola Davis? O Will Smith? Quando vi o novo Independence Day (que não é um bom filme), fui tão ingênuo que pensei: "Will Smith é visionário, ele sabia que o filme seria ruim, e preferiu participar de Esquadrão Suicida, que será um enorme sucesso".

Ou seja, há muito mais gente por aí - gente experiente, de sucesso - que assiste a filmes dessa forma. Não tentando tirar algum sentido do que vê, mas observando cores, texturas, expressões faciais. No passado, mesmo os piores filmes ainda preservavam algum tipo de racionalidade e respeito pela "craft" do cinema. Agora parece que chutaram o balde.

Ao longo da sessão fiquei pensando sobre o que está acontecendo no mundo, e como é que alguns políticos como Sarah Palin, ou mesmo Donald Trump, Dilma, conseguem chegar tão longe sem ter nada de muito coerente pra dizer quando abrem a boca. Esses políticos (assim como Ayer em relação ao cinema) também nunca pararam pra pensar na função de um governo, nos direitos naturais do homem, no que é ético ou não - eles simplesmente observam a maneira como políticos gesticulam, se vestem, usam suas vozes, que palavras recebem mais aplausos, e imitam aquilo que veem. E como boa parte do público também parece só enxergar essa parte, eles têm grande sucesso prático.

Eu realmente espero, pelo bem de todos, que esse filme fracasse nas bilheterias, receba uma nota baixa no IMDb, assim como vem recebendo críticas negativas. Que ele se torne, assim como filmes como A Reconquista e Batman & Robin, símbolo de um momento de crise cultural, onde uma tendência cinematográfica chegou ao seu ponto de saturação máxima, e forçou o público a reformar seus valores e buscar uma nova direção.

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Suicide Squad / EUA / 2016 / David Ayer

FILMES PARECIDOS: Batman vs Superman: A Origem da Justiça / Deadpool / Transformers: A Era da Extinção / O Homem de Aço / Kick-Ass: Quebrando Tudo

NOTA: 0.0

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Jason Bourne

NOTAS DA SESSÃO:

- Divertido o nocaute do Matt Damon na primeira briga.

- O elenco é respeitável. Gosto da Alicia Vikander, embora o personagem dela seja antipático.

- Não simpatizo pelo tom anti-americano. É algo superficial: apenas uma atitude pro filme ficar na moda e em sintonia com o público jovem. Por exemplo: cenas de ação no cinema geralmente engrandecem as locações onde se passam. Antigamente eram comuns cenas de ação em lugares como a Golden Gate, etc, que glamourizavam a América ou ambientes atraentes. Agora, o legal é colocar uma cena de ação no meio de uma manifestação política em um país estrangeiro, onde o povo oprimido "luta por seus direitos". O espectador desatento sai da sala com a impressão de que o filme é "engajado" e tem mais conteúdo que um Transformers, quando na verdade não tem.

- As cenas de ação são horríveis. Não há estrutura, progressão, ritmo. A câmera tremida deixa tudo caótico e inassistível (a câmera treme até em cenas onde nada agitado está acontecendo). E a noção espacial é forçada. Como o Bourne acha a Julia Stiles no meio dessa confusão toda? Ou depois quando eles fogem de moto do Vincent Cassel, e minutos depois ainda estão na mira dele no telhado?

- O conflito entre o Bourne e os vilões (a CIA e o Cassel) não é bem estabelecido. Não sabemos exatamente quem é bom, quem é mau e por que. Ficamos apenas com a sensação vaga de que o governo americano é corrupto e que Bourne está certo em não ser patriota.

- As cenas de exposição são chatíssimas, principalmente quando temos que ficar lendo documentos confidenciais em telas de computadores.

- Jason Bourne não é um herói gostável. Não tem charme, vida pessoal, nunca sorri ou faz qualquer coisa minimamente atraente. Está sempre sério, com uma atitude negativa. Até o Jason Voorhees tem mais variações de humor que ele.

- A "música" também é monótona e genérica. O mesmo clima de adrenalina do começo ao fim do filme.

- Fraco o confronto entre o Bourne e o Tommy Lee Jones no quarto do hotel. Não gosto desse clichê de tentar inserir uma discussão psicológica no meio da briga - o vilão dizendo pro mocinho "você tem que admitir quem você realmente é", etc.

- A perseguição de carros em Las Vegas é horrível. A cada 10 segundos há um clichê: o momento em que o carro entra na avenida na contra-mão / o momento em que o caminhão pesado vai batendo e tirando os carros pequenos da frente ou então fura um bloqueio da polícia batendo nas viaturas / o momento em que o carro quebra uma vidraça e entra dentro de um estabelecimento comercial... Não há um pingo de imaginação e autenticidade no filme. O mesmo vale pra luta de braço na sequência: o momento em que o cara coloca o dedo na ferida do inimigo / o momento em que um deles tira uma faca e ganha vantagem / ou pega um fio e tenta estrangular o outro, etc, etc.

- SPOILER: O filme acaba e nada muda na situação de vida do personagem. A CIA continuará querendo matá-lo se ele não aceitar trabalhar pra eles.

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CONCLUSÃO: O pior da série, incluindo o último que não tinha o Matt Damon.

Jason Bourne / EUA / 2016 / Paul Greengrass

FILMES PARECIDOS:

NOTA: 4.5