sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Big Little Lies

Vencedora de 8 Emmys esse ano incluindo Melhor Minissérie e Melhor Atriz pra Nicole Kidman, a série conta a história de 3 mães que apesar de terem vidas privilegiadas num aspecto mais externo (são jovens, saudáveis, bonitas, têm um bom padrão de vida), enfrentam diversos dramas em suas vidas emocionais. A série foi adaptada de um livro por David E. Kelley (criador de Ally McBeal) e dirigida pelo canadense Jean-Marc Valée (dos bons C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor, Livre, e Clube de Compras Dallas). Foi uma das melhores coisas que vi esse ano até agora. O grande destaque vai pros personagens, todos escritos com inteligência, sensibilidade psicológica, além de serem interpretados por um elenco extraordinário (Laura Dern, Reese Witherspoon, Shailene Woodley, etc). Há também bastante humor, e um certo suspense na narrativa - desde o primeiro episódio já é apresentado um mistério de assassinato que ajuda a criar uma linha de interesse até o episódio final. Apesar da premissa poder soar desse jeito, a intenção da série não é a de desglamourizar a vida dos ricos de forma cínica e ressentida, mas simplesmente mostrar 3 mulheres lutando por suas felicidades, por uma vida mais equilibrada, algo que não é garantido apenas pelo fato delas terem dinheiro. Apesar delas terem uma série de problemas, as protagonistas são sempre mostradas com dignidade, estatura, fazendo seus dramas parecerem até atraentes e divertidos de certa forma.

A mesma dignidade já não é oferecida pros personagens masculinos, e essa atitude anti-homem é a única coisa moralmente suspeita na série. Nicole Kidman é uma dona de casa que sofre agressões físicas regularmente do marido. A filha pequena da Laura Dern sofre agressões físicas regularmente na escola de algum garoto. A Shailene Woodley foi estuprada no passado, e seu filho Ziggy (um ator mirim incrível chamado Iain Armitage) é fruto desse estupro. Isso não é feito de maneira totalmente caricata, irracional - nem todas as mulheres na história são santas e nem todos os homens são monstros. Ainda assim, há um senso de que os homens são a fonte de todos os problemas mais graves do universo. Isso fica ainda mais evidente no episódio final (SPOILERS a partir daqui). Quando Perry começa a agredir a Nicole Kidman e as amigas na festa, a cena é intercalada por imagens de ondas quebrando em rochas, trazendo toda uma noção de que a agressividade masculina é uma espécie de força da natureza, algo inevitável, e não uma característica desse homem em particular, resultado de seu caráter. Há uma sugestão constante também de que a violência masculina é transmitida geneticamente - que filhos de pais violentos também tendem a ser violentos. Outro detalhe que traz um elemento político suspeito pro episódio final, é o fato de Perry ser morto justamente pela Bonnie, a única mulher negra da história. No contexto da trama, faria sentido a Nicole Kidman ou a Shailene Woodley matarem Perry, mas jamais Bonnie. Bonnie cometer o ato só faz sentido se você enxergar a série como uma espécie de vingança simbólica das feministas/progressistas contra o machismo/conservadorismo. Daí sim - como Bonnie representa a mulher moderna (usa rastafari, faz yoga, só come comida natural, defende liberdade sexual - ou seja, é a mais hippie e esquerdista da série) meio que faz algum sentido ser ela que mata Perry. Mas é algo que foge da lógica da história e acaba parecendo forçado. Depois que Perry é morto, há toda uma cena numa praia belíssima, onde todas as mães estão felizes, reunidas com seus filhos, brincando na areia - e nenhum dos maridos está presente (nem mesmo os maridos bonzinhos). É uma nova versão do paraíso: um lugar onde há apenas mulheres e crianças, e o homem foi finalmente eliminado da face da Terra.

Mas isso é apenas um elemento ruim dentro de uma história que fala de questões mais amplas e tem diversas outras riquezas que merecem ser aproveitadas.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Gaga: Five Foot Two

Acho a Lady Gaga uma das artistas pop mais interessantes que surgiram desde a virada do século, muito por ela trazer de volta um pouco da diversão e da magia que havia no mundo da música nas décadas de 80 e 90. Esse documentário, no entanto, acaba sendo um pouco frustrante para os antigos fãs. Primeiro por ele focar apenas nessa nova fase dela (a "era Joanne"), onde ela se apresenta como uma artista mais madura, que deixou pra trás a Gaga escapista de Poker Face e Bad Romance que 99% de nós preferíamos (ela está agora flertando com o Naturalismo pra tentar provar que é uma artista respeitável). Acaba não sendo muito inspirador, pois esse é um momento menos empolgante e bem sucedido de sua carreira (é muito diferente de quando a Madonna gravou Na Cama com Madonna durante a turnê Blonde Ambition, um dos maiores auges de sua carreira - e de qualquer carreira).

Outro problema (e que está ligado a esse primeiro) é o foco excessivo do documentário no sofrimento de Gaga. Em vez de nos deixar admirados com o talento e o estilo de vida de uma das maiores super-estrelas da atualidade, toda a ênfase do documentário está no fato de que Gaga sofre - e muito. Descobrimos que ela sofre de dores crônicas, sofre com o machismo da indústria, que se apresentar em shows às vezes é uma grande tortura, que escrever música é um processo desgastante emocionalmente (ela compara a uma cirurgia de coração)... Ela tem incontáveis crises de choro ao longo do filme - uma hora chora por causa de sua vida amorosa (Joanne foi produzido durante o fim de um namoro, o que tornou tudo ainda mais doloroso), outra hora chora por receber uma ligação de uma amiga com câncer, ela chora quando se despede do Mark Ronson no último dia de estúdio, depois num encontro com uma fã, mais crises de dor, etc, etc.

Suspeito que esse foco no sofrimento não seja uma distorção do documentário, mas um reflexo real da atual fase de Gaga. O álbum Joanne é uma homenagem a uma tia de Gaga que era uma espécie de artista na família, mas que morreu de forma horrível quando ainda era jovem (a avó tinha a opção de salvar a vida de Joanne, lhe amputando as 2 mãos, ou deixá-la morrer - e escolheu a segunda). Gaga parece fascinada com esse "ideal" do artista trágico, cujo talento vem das profundezas de seu sofrimento. Um "artista feliz" pra ela deve ser uma contradição em termos. Dentro dessa lógica então, o documentário faz sentido: quanto mais ela sofre, mais ela prova pra si mesma e para o mundo o quão artista ela realmente é. 

Pouco se vê da alegria de cantar, dançar, ser jovem, livre, rica, famosa, usar roupas excêntricas, poder se expressar pro mundo inteiro, etc. Há um momento particularmente estranho quando, no meio de uma conversa, Gaga decide tirar a blusa e ficar com os seios totalmente de fora, apenas pra ficar mais à vontade. É como se nesse momento ela se esquecesse de seu atual personagem, e voltasse a incorporar a Madonna de Truth or Dare - por um momento errasse o "texto" e passasse sem querer a impressão de que astros pop são sim figuras fascinantes, livres de problemas mundanos, com vidas exóticas, personalidades maiores que a vida, etc. Mas a ação soa inautêntica, pois contradiz a Gaga de todo o resto do filme. Quando Madonna fazia esse tipo de coisa, você realmente acreditava que aquilo era normal tanto pra ela quanto pras pessoas ao redor. Aqui, fica um clima de constrangimento, como se ela tivesse subitamente incorporado um personagem que ninguém mais no ambiente conhecesse.

Outro momento de pouca autenticidade é quando Gaga vai apresentar a canção Joanne pra sua avó (a mãe da Joanne real). Você espera uma reação emocionante por parte da avó, mas no fim a única que se emociona de fato é a própria Gaga. A avó fica quase constrangida por não estar tão sensibilizada quanto deveria com a homenagem. Ela parece ter superado a morte da filha já há muitas décadas, como se isso nem fosse mais um grande drama em sua vida. E ela não parece particularmente próxima de Gaga, orgulhosa de sua música e carreira, o que torna o momento ainda mais broxante. Fica a sensação de que essa mitologia toda ao redor de Joanne é apenas uma "pira" da Gaga, e não uma grande cicatriz de fato na história da família. O documentário acaba destruindo um pouco essa ideia de que Gaga é uma mulher de fortes laços familiares, que coloca suas raízes acima da fama (a ponto de ter escrito um álbum tão pessoal). Seus pais aparecem de relance no começo do filme, mas depois desaparecem misteriosamente - não dão depoimentos, nada dizem a respeito de Joanne, não estão juntos na cena da avó, etc. Parece uma família desestruturada como qualquer outra.

O que há de melhor no documentário (além desse belíssimo pôster) são alguns momentos de bastidores (no estúdio com Mark Ronson, gravando o clipe de Perfect Illusion, nos preparativos para o Super Bowl, etc) que nos lembram que Gaga é de fato uma pessoa admirável, talentosa, profissional, que impactou o mundo da música e merece o sucesso que conquistou. Infelizmente, o filme parece fazer de tudo pra gente esquecer de sua grandeza, dando mais ênfase pra ideia que já fica estabelecida no título "Five Foot Two": Lady Gaga não passa de uma baixinha.

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Gaga: Five Foot Two / EUA / 2017 / Chris Moukarbel

NOTA: 5.5

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Mãe!

NOTAS DA SESSÃO:

- O filme começa intrigante por ser diferente, anti-convencional, por mostrar uma série de coisas misteriosas (O que é aquele cristal? Por que o incêndio no começo? Por que a Jennifer Lawrence sente coisas dentro da parede? O casal tem poderes sobrenaturais?). Mas já fica a impressão de que o filme busca a estranheza apenas pela estranheza em si. Pra tentar parecer cult. Não porque o autor de fato é excêntrico, tem uma visão autêntica, original, conteúdo inovador pra passar, nem porque deseja criar uma experiência prazerosa pro espectador.

- A ideia de filmar o rosto da Jennifer Lawrence apenas em close é uma dessas decisões arbitrárias que só servem pra chamar atenção pra direção, pra mostrar pros críticos que o diretor tem "técnica". Em geral é uma fotografia ruim, feia, sem noção de comunicação visual... Isso resume bem o filme: é pobre esteticamente, sem nada de muito talentoso, mas como há um "conceito" diferentão por trás, fica soando artístico pro espectador ingênuo.

- O mundo dessas pessoas sempre foi surreal? Ou a maluquice começou só agora por algum motivo? Não sabemos. É a mesma coisa que falei de Cisne Negro (também de Aronofsky). Esses não são personagens normais que de repente estão vivendo eventos extraordinários (nesse caso a gente ainda poderia se identificar). Desde a primeira cena já estávamos num universo absurdo sem nenhuma explicação. Não dá pra gente se identificar com eles, acreditar no que está acontecendo, se envolver em uma narrativa convincente, etc. O filme é apenas um joguinho que o diretor quer fazer com a plateia - mostrar um monte de coisa inexplicável pra gente tentar adivinhar qual a simbologia genial por trás da história.

- Não há realismo psicológico ou sutileza na construção dos personagens. Os diálogos são banais, sem profundidade. Ed Harris não convence como um fã obcecado, nem o Javier Bardem como um escritor famoso. Depois tem aquela família que invade a casa, o irmão que mata o outro e vem com uma psicologia barata pra se justificar: "ele sempre foi mais amado do que eu". Os personagens são apenas marionetes sem alma pro diretor apresentar seu "conceito". A sensação é de estar vendo um filme feito por alguém absolutamente convencional, de inteligência mediana (tem até o clichê do jump-scare na porta da geladeira) se esforçando pra parecer genial, alternativo.

- Depois de 1 hora nessa alucinação o filme começa a ficar chato. Não há um contraste entre fantasia e realidade pra tornar a experiência interessante. A gente simplesmente deixa de acreditar no que está acontecendo. Aceita que é tudo "simbólico", que pode ser tudo um sonho, uma "metáfora". Os personagens não têm objetivo, não temos ideia do que eles poderiam fazer pra sair desse pesadelo... A plateia fica apenas assistindo pessoas sofrendo, sendo cada vez mais perturbadas num universo maligno de onde não há escapatória (o cineasta é daqueles que acha uma virtude incomodar o espectador). É uma história focada no negativo, que glamouriza a dor - só aguentamos até o final porque queremos saber se o cineasta vai ou não revelar sua sacada, qual a "crítica" que ele quis fazer (como se uma crítica justificasse uma obra de arte). O problema é que, mesmo que seja algo brilhante, isso não vai anular as 2 horas de nonsense que tivemos que assistir. Seria muito melhor não ter nenhuma crítica, nenhum conceito brilhante no fim, mas ter sido brilhante no durante. (Pra uma discussão mais detalhada, leiam minha postagem Simbolismo e Filmes Interpretativos.)

- SPOILER: O final soa tolo, apenas um apelo pra violência, pro sensacionalismo, sem nada de positivo pra equilibrar nem de inteligente pra dizer. Tudo em nome de uma crítica ao homem, à "ganância masculina", que pelo visto sempre coloca a carreira acima da família, da vida, que oprime e violenta a pureza da mulher (da "mãe natureza" quem sabe), etc. Se for uma metáfora bíblica, o filme seria do tipo que depende de informações externas específicas pra funcionar, precisa de um "manual" pro espectador, não tenta funcionar de forma independente, o que viola um dos princípios que estabeleci na postagem Virtudes e Tipos de Filmes.

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CONCLUSÃO: Razoavelmente divertido por ser extremo, incomum, mas no fim é um filme tolo e pretensioso.

Mother! / EUA / 2017 / Darren Aronofsky

FILMES PARECIDOS: Cisne Negro (2010) / Ilha do Medo (2010) / Fonte da Vida (2006)

NOTA: 4.0

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Feito na América


O filme conta a história verídica de um piloto que trabalhou pra CIA nos anos 80 e que se aproveitou de seus acessos pra ganhar montanhas de dinheiro transportando drogas da América do Sul para os EUA. É uma coisa meio Prenda-me Se For Capaz - um desses filmes que contam histórias de personagens que fizeram fortunas de forma corrupta, tentando tornar meio cool a malandragem deles, o mundo do crime, meio que zombando do sonho americano, etc. Não sou muito fã de filmes com essa atitude, mas as qualidades de Feito na América são maiores que esse "porém" e me fizeram aproveitar a sessão. O roteiro é divertido, dinâmico, sempre fugindo do previsível, elevando a situação pra novos patamares, num minuto te convencendo de que tudo está resolvido pro personagem, no outro trazendo uma nova informação que coloca tudo em risco de novo, há momentos de ação tensos, o filme é bem dirigido, bem narrado, etc... E apesar de não ser o ator mais apropriado que poderíamos imaginar pra um personagem desses, é de certa forma agradável ver o Tom Cruise explorando tipos diferentes, que não sejam aquele herói ultra-eficaz, incorruptível e sedutor que ele já fez tantas vezes.

O grande "problema" do filme pra mim não é nenhum defeito na execução, nem mesmo no conteúdo, e sim a natureza pouco ambiciosa da produção em termos artísticos, no impacto que ela deseja causar no espectador. Primeiro pelo filme não trazer nada de muito novo ao gênero, e acabar se parecendo com muitos outros filmes que já vimos antes. Mas além disso, é um filme que chega pro espectador com uma atitude meio despretensiosa, do tipo: "veja que curiosa essa história real que eu tenho pra contar". É difícil um filme assim se tornar uma experiência arrebatadora, memorável, o filme da vida de alguém, por mais bem feito que seja. Ele não pretende lidar com os valores mais importantes pro espectador, não pretende criar grandes emoções, tocar sua alma, não pretende inovar, explorar todo o potencial criativo do cineasta - quer apenas contar uma história curiosa de maneira divertida e competente. Há um limite pro quão satisfeito eu consigo sair de uma sessão assim, mas dentro dessa proposta, é um filme bem feito.

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American Made / EUA / 2017 / Doug Liman

FILMES PARECIDOS: Cães de Guerra (2016) / O Conselheiro do Crime (2013) / Selvagens (2012) / Prenda-me Se For Capaz (2002)

NOTA: 7.0

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Polícia Federal - A Lei É Para Todos

NOTAS DA SESSÃO:

- O filme obviamente coloca sua função documental / jornalística / ideológica acima do propósito artístico. Não há nenhum tipo de sutileza - o filme não exige que o espectador interprete qualquer coisa, perceba qualquer coisa num nível mais profundo. Se comunica apenas no nível superficial das informações práticas. Esse narrador dizendo coisas como "Nossa história começa..." só contribui pro tom didático/educacional da produção.

- Quando o filme tenta sair do jornalismo e explorar a vida pessoal dos personagens, dar uma cara mais de "filme", nada funciona... Os personagens são unidimensionais, não têm personalidades convincentes... Eles soam tão convincentes quanto políticos visitando comunidades carentes, expondo seus lados "humanos" para a mídia, etc.

- Pelo menos é melhor que Real - O Plano por Trás da História, pois além de ser muito mais esclarecedor em relação à história, aqui pelo menos existem personagens inocentes, lutando por uma boa causa (em Real não dava pra simpatizar nem com o protagonista). Acaba sendo quase como uma versão mais simplória de Spotlight: Segredos Revelados - uma trama de sucesso sobre um grupo de investigadores revelando um grande escândalo nacional. Então a narrativa é razoavelmente envolvente, prazerosa, mas sem dúvida não é uma obra que se sustenta sozinha. Esse filme visto num outro país, numa outra época, certamente não terá o mesmo impacto do que visto no Brasil, por alguém familiarizado com os fatos (e que seja contra o PT, preferencialmente). Ele depende de várias informações externas para funcionar.

- Apesar do filme se posicionar como imparcial, apenas uma crítica à corrupção, ele claramente enfatiza mais a corrupção do PT do que dos outros partidos (o que talvez seja justo, considerando os últimos anos). Mas intelectualmente acaba parecendo um filme tímido, politicamente correto, pois ele não ousa criticar o PT enquanto ideologia, sugere que a única coisa que ele tem contra o partido é a corrupção (quando na verdade o filme parece ter outras objeções além dessa). É um pouco como Spotlight também, que ataca a igreja Católica apenas no nível óbvio dos casos de pedofilia, algo que nenhum espectador irá questionar, mas em nenhum momento faz uma crítica mais fundamental aos valores da igreja em si.

- O Ary Fontoura está ótimo como o Lula. Tem o equilíbrio perfeito de deboche, carisma e dissimulação. Marcelo Serrado como Sérgio Moro também foi uma ótima escolha.

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CONCLUSÃO: Fraco como cinema, mas bem sucedido dentro da proposta do filme.

Polícia Federal - A Lei É Para Todos / Brasil / 2017 / Marcelo Antunez

FILMES PARECIDOS: Real - O Plano por Trás da História (2017) / Margin Call - O Dia Antes do Fim (2011)

NOTA: 6.0

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

It: A Coisa


(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- Logo no início, na cena em que o Georgie desce até o porão pra pegar a cera, é um pouco inapropriado criar um longo momento de suspense, sendo que o filme ainda nem disse sobre o que será a história, nem sugeriu que algo sobrenatural possa existir, etc.

- A produção em geral é um acerto. Os atores que fazem os garotos são bons (exceto talvez o que faz o hipocondríaco, que soa forçado), o visual de filme dos anos 80 convence, a cidadezinha e as locações criam um clima nostálgico agradável, a trilha é boa, etc. E obviamente, o livro Stephen King é um ótimo material... Mas como ele já tem uma adaptação famosa, a tarefa desse filme aqui é mais difícil, pois ele tem que ter méritos maiores pra se justificar.

- A cena do bueiro é divertida. O grande problema é que depois da performance icônica do Tim Curry no filme de 1990, é praticamente impossível um novo palhaço não decepcionar.

- É um pouco estranho esses outros monstros aparecerem logo no começo (a mulher que sai do quadro, etc.) enquanto o palhaço ainda nem foi estabelecido como o vilão principal. O conceito fica meio confuso. Além disso esses outros monstros não são tão bem feitos ou assustadores. O menino que desce a escada sem cabeça, por exemplo, e daí começa a correr loucamente, acaba parecendo meio ridículo da maneira como a cena foi executada. Muito do impacto do filme antigo vinha das cenas de terror acontecerem em ambientes inofensivos, cotidianos, envolvendo objetos inocentes, que subitamente se transformavam em algo assustador (como em A Hora do Pesadelo). Agora um quadro que já é assustador virar um monstro assustador dentro de um quarto assustador... não há contraste, é outro estilo de terror.

- Depois de 1 hora de aparições de monstros, o filme começa a ficar meio repetitivo. E é falso depois de tantas aparições as crianças não estarem apavoradas, continuarem com uma rotina normal, não contarem pra ninguém das visões que estão tendo, etc. O pior momento é quando todos os amigos ajudam a Beverly a limpar o banheiro sujo de sangue, como se aquilo fosse uma faxina comum. Certamente nesse ponto todos já deveriam estar em pânico e discutindo abertamente a situação - e não se divertindo, limpando litros de sangue ao som de uma trilha divertida!

- No antigo, o que dava medo no palhaço era a performance do Tim Curry - a personalidade carismática, expansiva, brincalhona, em contraste com a aparência medonha. Bastava apontar a câmera pra ele que já era algo assustador (em plena luz do dia, sem truques de edição, sem cortes, sem efeitos, etc). Aqui o filme fica tentando dar medo através de jump scares, técnicas de filme de terror barato - Pennywise surgindo subitamente atrás da bexiga, ou correndo em direção à câmera em fast forward com efeitos sonoros clichê, etc.

- Quando os amigos finalmente conversam sobre terem visto o palhaço, em vez disso gerar um clima assustador, a situação é logo quebrada por uma piadinha de um deles ("isso é coisa de virgem?"). O filme não sabe diferenciar entre alívio cômico e piadas que arruinam toda a realidade do conflito. Na cena da guerra de pedras, há novamente um uso extremamente inapropriado de humor. O que era pra ser um momento de heroísmo, superação, fica parecendo uma comédia besteirol (não dá nem pra dizer que o humor não foi intencional, por causa da música usada).

- SPOILER: Um jump scare que funcionou bem na minha opinião é quando eles estão assistindo os slides, e o palhaço pula da tela.

- Mesmo depois deles terem reconhecido a existência do palhaço, o comportamento dos garotos continua artificial. Por exemplo: eles todos toparem ir até a casa abandonada, entrarem fazendo piadinhas como se não estivessem nem aí... Daí, quando o filme precisa que algum personagem realmente entre em pânico, comece a gritar, isso não convence - é incoerente em relação à atitude de antes. No filme dos anos 90, o medo era algo intenso, as emoções dos personagens eram dramáticas, grandiosas (me vem à mente aquela cena do menino que fica com os cabelos brancos só de olhar pra Coisa, ou então o Stan, depois de adulto, que se suicida na banheira só por ficar sabendo que o palhaço voltou). Aqui nada é grandioso, nada é épico - a qualquer momento pode surgir uma piadinha pra quebrar o clima (por exemplo: quando o menino hipocondríaco vê o monstro leproso e desmaia de maneira cartunesca, ou depois quando ele confunde "placebo" com "gazebo" no meio de uma cena séria). Não chamaria isso nem de Idealismo Corrompido, e sim de Anti-Idealismo.

- SPOILER: Depois que o palhaço dá uma trégua e todo mundo volta pra vida normal, há 2 sequências seguidas que são muito parecidas, e parecem fazer parte de um outro filme: quando 2 dos personagens secundários se vingam de seus pais abusivos (o bully que esfaqueia o próprio pai, depois a Beverly que ataca o pai no banheiro). Aliás, os pais nesse filme parecem monstros até piores que o Pennywise. Não fica muito claro também se essas vinganças foram espontâneas, ou controladas pelo Pennywise (afinal ele estava presente nas 2 cenas). Quer dizer que o palhaço "ajuda" também as crianças a fazerem certas coisas?

- Quando a Beverly é raptada pelo Pennywise e todos decidem se unir para salvá-la, eles não têm uma estratégia muito sólida pra matar o palhaço. Levam lanças, armas comuns... Mas não parece nada provável que um monstro de outra dimensão possa ser derrotado dessa forma.

- Ridículo o gordinho acordar a Beverly do transe com um beijo de "amor verdadeiro", parodiando A Bela Adormecida.

- SPOILER: A maneira como o Pennywise é derrotado é insatisfatória, pois não há muita consistência na ideia de que o medo das crianças é o que dá poder a ele... Ou seja, que quando as crianças não têm medo, o palhaço não consegue derrotá-las. Em vários momentos elas estavam com medo sim e mesmo assim o palhaço não conseguiu matá-las. E quando ele foi ferido pela lança da primeira vez, não ficou claro que o motivo foi porque elas não estavam com medo naquela hora. O filme é muito mais uma homenagem aos "losers", aos excluídos, do que um confronto empolgante de bem vs. mal.

- SPOILER: Que exagero esse pacto que os amigos fazem no final, dando as mãos cheias de sangue... Bizarro também a cena do beijo - a Beverly sujando o rosto do Billy com sangue. É pra sugerir que ela é a Coisa? Que o Pennywise também pode "possuir" pessoas? Nada disso foi pré-estabelecido, então fica apenas parecendo uma atitude sem-noção.

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CONCLUSÃO: Estimulante, bem feito em termos de produção, na aparência externa do filme, mas altamente falho na direção, no desenvolvimento da história, na construção do terror, no comportamento falso dos personagens, etc.

It / EUA / 2017 / Andy Muschietti

FILMES PARECIDOS: Annabelle 2: A Criação do Mal (2017) / Stranger Things (2016) / Super 8 (2011)

NOTA: 4.5

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Como Nossos Pais

NOTAS DA SESSÃO:

- A cena inicial no almoço já resume bem o tom do filme: um grupo de pessoas se comportando de maneira forçada só pro filme provar que relacionamentos são difíceis, conflituosos, que a vida é complicada. Todos os personagens agem de maneira condenável - não há 1 pessoa admirável e inocente pra plateia se apoiar, e o filme também não diz que ninguém está errado. Apenas mostra "a vida como ela é".

- A filha (Rosa) é a personagem mais irritante de todas. Só sabe reclamar, é agressiva sem necessidade com os filhos, com o marido, com a mãe (dá até certo prazer quando a mãe cala a boca dela revelando que ela é filha de outro homem). Mas em seguida vem a frustração de descobrir que ela (Rosa) será a protagonista da história e teremos que aguenta-la o filme inteiro.

- Os diálogos às vezes parecem improvisados pra ganharem um ar de realismo, mas na prática acabam parecendo mal escritos, amadores, conscientizam ainda mais a gente de que estamos vendo um filme (e não "a vida como ela é").

- O filme é uma série de situações desagradáveis: a discussão com o pai fracassado que parou de pagar as mensalidades da escola da filha, o erro que a Rosa comete no trabalho e resulta em discussões com o chefe, depois ela chegando em casa e discutindo com o marido sobre dinheiro, sobre a relação, sobre quem se sacrifica mais pelo outro, tendo inúmeras discussões com as filhas, o detalhe do leite que ferve e suja o fogão, o pai que perde a hora da escola e tem que acordar as filhas correndo, etc. E não é como em filmes hollywoodianos onde no começo a vida da protagonista está um inferno, mas daí ela larga tudo e parte numa grande aventura. Não. Aqui a ideia é mostrar a "realidade" como um fim em si. Mostrar o lado falho do ser humano, mostrar que a cineasta é "madura", que pra ela cinema não é sobre entreter o público, sobre mostrar coisas incomuns, interessantes, pessoas virtuosas, dar soluções, e sim sobre encarar os aspectos mais desagradáveis do cotidiano.

- A Rosa tem ódio da mãe, mas daí a mãe revela que tem câncer e ela não pode mais ter ódio, pois tem que ter pena... Depois em casa ela está triste, mas daí tem que ler uma história pras filhas dormirem, então ela tem que fingir que está feliz... Depois ela tem que hospedar a meia-irmã adolescente em casa contra sua vontade, pois não pode dizer não pro pai, que é um pobre coitado maior que ela... O filme não tem uma história, um propósito positivo, quer apenas dizer pra plateia "vejam como a vida é dura (especialmente pra mulher moderna), como temos sempre que nos sacrificar uns pelos outros, como as relações humanas nunca são ideais, mas mesmo assim não podemos viver sem elas" - e fica jogando uma cena aleatória após a outra pra reforçar essa ideia.

- Pelo menos não é algo 100% Naturalista como alguns outros filmes nacionais recentes (Corpo Elétrico, por exemplo), pois no meio das banalidades do cotidiano, o filme cria 1 ou outro ponto de interesse na história: o encontro com o pai biológico, as traições no casamento, o futuro profissional de Rosa, a doença da mãe, etc. Então não é um registro totalmente cru de uma fatia da sociedade, sem nenhum tipo de drama ou senso de direção.

- O pai da Rosa é uma figura deprimente: o artista pseudo-intelectual, avoado, que não funciona no mundo prático, fala de maneira subjetiva, desestruturada, imprecisa, mas com "humanidade" e algum tipo de "sabedoria mística" (e o filme acha ele o máximo).

- Forçada a discussão da Rosa com as lésbicas no sofá. Ou depois a conversa da Rosa com o Pedro na praia. O filme tem umas cenas artificiais que só servem pra enfiar esses discursos feministas / progressistas no meio da história e expor a ideologia da cineasta.

- SPOILER: A maneira como a morte da mãe é mostrada é bonita (ela tocando piano e o enterro sendo mostrado paralelamente em flash-forward). Não precisou ficar apelando pro sofrimento, pra agonia no hospital, etc. A mãe não tinha medo da morte, então foi uma maneira elegante de dar fim à personagem, que era a mais interessante do filme.

- Toda essa ideia de que a vida é cíclica (Rosa regando as plantas como fazia a mãe, etc) é pra parecer poética, bonita, mas na realidade é deprimente, determinista... Quer dizer que nossas vidas não estão sob nosso controle, que não somos independentes, que nossos destinos não são determinados por nossas decisões, nossos valores, e sim por um destino já traçado, que iremos repetir aquilo que nossos pais fizeram, cometer os mesmos erros, viver as mesmas decepções, etc.

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CONCLUSÃO: A chatice "progressista" básica do cinema nacional.

Como Nossos Pais / Brasil / 2017 / Laís Bodanzky

FILMES PARECIDOS: Aquarius (2016) / Fala Comigo (2016) / Eu, Daniel Blake (2016)

NOTA: 3.5

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Atômica

NOTAS DA SESSÃO:

- Isso não é uma crítica ao filme em si, mas à versão brasileira: detesto quando eles refazem o logotipo do filme nos créditos iniciais pra traduzir o título pro português. Causa o mesmo estranhamento que a dublagem, só que num nível visual.

- O filme tem um visual chamativo, bem cuidado, mas já começa com uma atitude meio duvidosa: a tentativa de tornar a violência cool, ou a atitude mal humorada da Charlize Theron (que pelo visto era pra torná-la uma heroína mais atraente). Apesar da Charlize ser boa atriz, não acho que esse seja o papel ideal pra ela. Ela é uma atriz sofisticada, madura... E a Lorraine é pra ser uma personagem ousada, perigosa, sexy - combinaria mais com uma Scarlett Johansson, por exemplo.

- A trama começa mal. É um típico "filme de serviço" onde a protagonista recebe ordens e parte numa missão desinteressante, atrás de um McGuffin qualquer (o microfilme), sem nada que de fato envolva a plateia.

- O grande problema é que o filme está mais preocupado com estilo do que com história. Em vez de começar com um bom roteiro, e depois pensar na aparência, o cineasta parece ter começado com um look - com essa coisa anos 80, colorida, cheia de neons, femme fatales, músicas pop da época - e depois pegou uma trama genérica de espionagem qualquer só pra encher linguiça.

- Essa ideia de colocar músicas inadequadas de fundo (como "Father Figure" do George Michael) durante cenas de violência ainda soava original quando John Woo fez A Outra Face em 1997, mas já foi tão usado que hoje em dia parece um artifício barato (além de ser uma atitude cínica que não tem muito a dizer, apenas banaliza a violência, tira o drama da cena em favor do estilo).

- A cena de ação dentro do cinema também não tem a menor necessidade de existir. Eles só entraram aí pois o diretor achou que seria legal ter um tiroteio em frente a uma tela de cinema passando Tarkovsky. A personagem ter um romance lésbico também parece bem aleatório, só pro filme ficar mais "edgy" e estimular o público masculino.

- As cenas de luta / tiroteio / perseguição de carro não são das melhores. Até porque o filme está sendo contado em flashback, narrado por ela, então sabemos que ela não pode morrer em nenhum desses confrontos. E não há conflitos morais, carga dramática... Todo mundo é suspeito no filme, ninguém é confiável, então se alguém se revelar um traidor não será a menor surpresa (até porque em filmes de espionagem isso é o maior clichê).

- Bem, pelo menos há 1 sequência "show stopper" no filme - o tiroteio que começa na escadaria e depois termina na perseguição de carro. Os stunts são muito bem feitos (parece mesmo a Charlize Theron fazendo boa parte das lutas), há um realismo que torna tudo ainda mais aflitivo, há uns planos sequência impressionantes principalmente na fuga de carro... Parece uma cena dirigida por outra pessoa, e não pelo mesmo cara que estava dirigindo as cenas de ação até agora.

- SPOILER: Mais pro final a história fica um pouco melhor, ganha uma dimensão mais pessoal quando a Charlize descobre que foi enganada, começa a tramar a vingança contra o James McAvoy, etc. Embora nos últimos minutos a trama fique confusa demais - há um excesso de reviravoltas e já não se sabe direito quem estava enganando quem ao longo do filme (e como não há relações bem construídas no filme, essas revelações não chegam a empolgar a plateia).

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CONCLUSÃO: Visual marcante, 1 sequência memorável de ação, mas a trama é genérica e pouco envolvente.

Atomic Blonde / Alemanha, Suécia, EUA / 2017 / David Leitch

FILMES PARECIDOS: A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell (2017) / John Wick: Um Novo Dia Para Matar (2017) / Lucy (2014)

NOTA: 5.5