sábado, 4 de novembro de 2017

O Estado das Coisas

NOTAS DA SESSÃO:

- Ben Stiller é especialista em representar losers dessa forma cômica, então o personagem soa familiar e funciona desde o primeiro minuto. Não só por ele, mas também por mérito do filme, pois logo na primeira cena já fica estabelecido o conflito central do personagem (ele acordado na cama refletindo sobre a vida), dando um senso imediato de que já entendemos o personagem, sabemos o que ele busca, etc.

- A cena no aeroporto (ele tentando fazer um upgrade pra classe executiva) além de ser um bom momento cômico, é uma ótima forma de concretizar a ideia de que ele se sente um fracassado, excluído do mundo dos bem sucedidos (há vários detalhes divertidos assim no filme que reforçam essa ideia - a festa que ele não é convidado, a mesa ruim que dão pra ele no restaurante, a maneira como ele idealiza a vida dos amigos de forma exagerada, etc).

- Os pensamentos do personagem são fascinantes num nível psicológico. Por exemplo: quando ele começa a imaginar se a passividade da esposa é a razão de seu fracasso, ou o súbito otimismo quando ele percebe que o filho pode ter um futuro promissor se entrar em Harvard - ao mesmo tempo em que surge o medo do filho superá-lo e expor ainda mais o seu fracasso, etc. O roteirista tem uma habilidade incrível de observar os próprios pensamentos, registrar o processo de introspecção e colocá-lo no papel (lembra um pouco o que Rand fez em A Coisa Mais Simples do Mundo).

- A situação dele ter que pedir um favor justamente pro Craig Fisher (o cara que ele mais inveja) é ótima. É plausível e coloca o personagem na situação mais embaraçosa possível, considerando o tema do filme.

- O personagem do filho é uma graça e a relação positiva entre os dois é surpreendente. Estou sempre falando aqui da tendência atual dos filmes de forçarem relacionamentos conflituosos sem necessidade. Esse aqui foge à regra e opta por uma atitude mais benevolente. Mesmo quando os 2 se desentendem, é de maneira afetuosa e não agressiva.

- O personagem é tão patético que às vezes é doloroso de assistir (quando ele começa a dar em cima da amiga do filho, por exemplo). Mas a atitude do filme é positiva - o filme não está glamourizando / perdoando as falhas do personagem, e sim tirando sarro, mostrando como não devemos agir na vida.

- É quase um filme de terror onde o "monstro" é a baixa autoestima do protagonista. Um retrato dos efeitos destrutivos da psicologia de uma pessoa atormentada por um senso crônico de inferioridade, que iguala autoestima a status social. E o pior é que o personagem parece merecer esse senso de inferioridade - o problema aqui não é simplesmente o fato dele se comparar demais com os outros, dele estar rodeado de amigos milionários, e sim o fato dele realmente não ter muito do que se orgulhar na própria vida. Não tem grandes conquistas pessoais ou materiais onde se apoiar.

- SPOILER: O final é sutilmente arrasador, se é que isso faz sentido (superficialmente parece um final positivo, mas se você parar pra analisar, é totalmente trágico). O Ben Stiller consegue se constranger da pior forma possível no jantar com o Craig Fisher. Depois disso, achamos que ele já atingiu o fundo do poço e terá uma espécie de superação, mas não é o que acontece. Ele termina totalmente sem esperança, tendo que se contentar com a admiração - ou melhor, com o amor - do filho e tentando achar conforto no simples fato de estar vivo, de ainda poder "amar o mundo mesmo sem poder tê-lo" (!).

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CONCLUSÃO: Ótima comédia que consegue mesclar um humor mais óbvio e acessível com reflexões interessantes sobre a relação entre autoestima, carreira e vida social.

Brad's Status / EUA / 2017 / Mike White

FILMES PARECIDOS: Enquanto Somos Jovens (2014) / Mesmo Se Nada Der Certo (2013) / O Verão da Minha Vida (2013) / Maridos e Esposas (1992)

NOTA: 7.5

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